domingo, 7 de novembro de 2010

A filosofia Beatles de viver

O assunto mais comentado em Porto Alegre nas últimas semanas é o show de Paul McCartney esta noite. Do nada surgiram profundos conhecedores das letras dos Beatles. Confesso que as múicas deles nunca me chamaram atenção. Isso mudou quando tive de fazer um trabalho para a universidade sobre a mensagem transmitida pelo quarteto de Liverpool. Confesso que gostei. As letras de todas as músicas provocam uma reflexão sobre o que significamos para o mundo.

“Quando eu me encontro em tempos difíceis Mãe Maria vem a mim falando palavras de Filosofia, deixe estar./ E na minha hora de escuridão ela está parada bem na minha frente falando palavras de Filosofia, deixe estar./ Murmura palavras de sabedoria, deixe estar”. Quando os Beatles apresentavam esse pensamento na música Let It Be, o objetivo não era protestar de forma simplista e reacionária sobre a moral da sociedade inglesa da década de 70, mas sim propor uma reflexão sobre a forma que devemos conduzir nossas vidas. Essa interpretação sobre os conflitos internos do ser humano também é discutida pelo filósofo alemão Martin Heidegger.

A rotina diária, resultado de inúmeros compromissos, transformou o ser humano em um “prisioneiro de si mesmo”. Apliquemos, para tanto, a definição dada por Heidegger. Para o filósofo, a sociedade composta por estes indivíduo é composta pelos Das Man, pessoas que não buscam respostas para o sentido da existência de cada um. “O homem está fora das coisas”, afirma Heidegger na obra "O Ser e o Tempo". Segundo esse pensamento, o indivíduo vive até o fim de seus em um mundo no qual ele foi jogado. Estando lá (Da-sein), constitui algo à parte (Verfall), mas está no ponto de ser submergido nas situações. É continuamente um projeto (ent-wurf), mas pode ser submergido nos conflitos internos a ponto de ser absorvido temporariamente (Aufgehen in).

A característica do das Man é a conversa inócua (Gerede) e a curiosidade (Neugier). No Gerede, o que fala e o ouvinte não estão em nenhuma relação pessoal genuína ou em qualquer relação intima com aquilo sobre o que falam, portanto, conduz à superficialidade. A curiosidade é uma forma de distração, uma necessidade para o "novo," uma necessidade para algo "diferente," sem interesse ou capacidade de maravilhar. São essas formas de reflexão que inspiraram John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr.

A Industrialização e o Capitalismo, embora rentáveis para o desenvolvimento da sociedade, trouxeram uma grave mudança no comportamento social: a atenção para o próximo. A humanização, em muitos aspectos, deu lugar à mecanização comportamental. Na música “Good Morning, Good Morning”, os Beatles demonstram quão simples, porém fundamental, é o desejo de bom dia entre pessoas. Heideggen considera esse convívio uma oportunidade para troca de experiências, possibilitando que o ser humano comece a interpretar os aspectos da vida através da comunicação do real sentido da existência.

Os Beatles apontam em suas músicas que vivemos em um mundo inautêntico. Essa maneira de vida do homem no mundo revela o próprio modo de ser cotidiano, onde nos encontramos em uma existência imediata. A despreocupação com a busca de respostas resulta em uma compreensão superficial sobre o que acontece no mundo. O resultado é a falsa idéia de que nosso sentido existencial já foi compreendido.

Comumente nos deparamos com situações em que a falta de interesse em interpretar o real sentido de um acontecimento resulta em uma insegurança para a resolução de problemas. Os roqueiros de Liverpool apresentam este cenário na música “A Day in the Life”, apresentando uma resposta para a sociedade inautêntica que falamos anteriormente: “E embora as notícias fosse tristes... bem, eu tive que rir”. Essa dicotomia de sentimentos é causada pela forma superficial que poucas pessoas buscam respostas para o sentido da existência diária. Martin Heidegger caracteriza tal atitude com a queda do ser humano, ou seja, a percepção de que estamos presos a uma situação geradora de um conformismo imediato da inautenticidade.

O quarteto dos Beatles busca em suas músicas uma solução para dar fim a esse conformismo. Eles nos despertam com seu chamado à autenticidade, nos forçam a reconhecer nossa absorção na mentalidade coletiva de um mundo impessoal. Para tanto, lançam o desafio de considerarmos as pessoas que estão em nossa volta como seres humanos com características particulares, não mais como parte de uma sociedade, o Das Man, conforme visto anteriormente.

A busca pela autenticidade é inversamente proporcional a ausência de significado de nossas vidas. A estranheza, classificada por Heidegger como Unheimlichkeit, é o ponto que o ser humano chega ao perceber que não sabe sua missão na Terra. A partir daí, ele busca a resposta para todas as perguntas existenciais.

Não devemos consideram os Beatles como tolos divulgadores de filosofias sem importância. Na realidade, eram quatro seres humanos que tinham como objetivo demonstrar a importância de refletirmos sobre nosso papel na vida. Daí vem a importância de refletirmos sobre o que está por trás de cada acontecimento que passamos ao longo de nossas vidas. Para tanto, é fundamental que tenhamos personalidade suficiente para agirmos conforme nosso pensamento e vontade, mesmo que estes sejam diferentes do que a sociedade e a cultura local defendem. Só assim, poderemos enfrentar as dificuldade impostas pela vida de uma forma autentica.

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